Quem quer viver para sempre?
Era isto que eu ganhava por amar um homem morto.
Quando somos jovens, no auge da nossa vitalidade, tudo parece possível, sem regras ou limites. Para mim era simples: O meu coração escolheu-o e não ia haver razão que me impedisse de viver com ele.
E vivemos. Tivemos juntos momentos de felicidade, momentos de prazer fantásticos e brigas terríveis. Os filhos nunca vieram, porque mulher alguma consegue engravidar de um vampiro. Nunca questionámos porque é que estávamos juntos ou até quando iria durar. Amávamo-nos, uma noite de cada vez.
Mas as noites passam a semanas, as semanas a meses e os meses a anos. O tempo passou, passou sobre mim, sobre o meu corpo humano.
As brigas terríveis foram sempre sobre a minha condição: era humana, era frágil, mortal. Bastava ele transformar-me e ficaríamos juntos para sempre. Recusei. Quem seria eu como vampira? Iria perder a minha identidade e nada garantia que iria amá-lo ou que ficaríamos juntos para sempre. Os vampiros não conseguem ficar juntos para sempre.
Ficou decidido: até que a morte nos separe. A minha morte nos separe...
Quando a velhice chegou mandei-o embora vezes sem conta. Doía-me vê-lo a cuidar de mim, estar ali preso a um corpo decadente, de quem já nem alimentar podia. Mas ele ficou.
Agora, sentindo as últimas golfadas de ar a entrar no meu corpo, encaro os seus olhos eternos. As suas mãos frias seguram as minhas, suavemente tocando os meus pulsos. O nosso laço de sangue diz-lhe que estou prestes a partir. O nosso laço de sangue diz-me que ele me ama. Ele nunca me disse, seria ridículo. Quem é que pronuncia o seu amor a um prato de comida? Não precisava de o dizer, sentia-o no sangue. O nosso sangue.
Estiquei-lhe os pulsos e pedi-lhe: morde. A última refeição que te dou.
E no momento em que sugava os meus restos de vitalidade pensei: Na sua eternidade, sobre quantos leitos de morte irá ele debruçar-se depois do meu?